quarta-feira, novembro 06, 2013

O dia morreu!
Eu diante do meu próprio copo
sou o topo do vazio
que não há meio que acabe.
Do que intuiu ou do que sabe
o que importa se sou eu que sobro?
O dia morreu e é mais um dia que cala
a mão doente e a viagem pobre
o frio de sabre
o vulto do som que resvala
e eu sentir autoindulgente
que não podia ter feito nada.

quinta-feira, outubro 24, 2013

Modern Times

Sugerem nesta noite contemporânea
que apresente uma ideia
que seja consentânea com o hojismo.
Uma imagem de ar fresco
em forma de silogismo de alcateia
- de qualquer forma sem formalismo não pesco! -
e que não apele à glória do que antes de mim falhou.

Onde estou?

O que como no concreto
não me faz mais perto do que não como.

Vejam esta imagem de um homem asfixiado na roda de montagem do problema.
Vivemos tempos modernos de um claro tão escuro
que vi ontem o futuro no centenário do cinema.

terça-feira, outubro 01, 2013

Soterrado nas primeiras chuvas -
o olhar cinzento e o pé enlameado -
eu evoco as ruas e a cenescência das aves
de onde vens, em amor:
não crucificaram o litúrgico
nem o sangue foi quanto era preciso
nem a seiva rumou ao rubor
e da altura da primeira pedra
eu preço à praia do meu sorriso:
criaste a chuva para o que não era nada.

segunda-feira, setembro 02, 2013

Eu não posso dar aulas de literatura
e sou pouco construido para viver num teatro.
Engasgo-me demais para respirar leitura
ninguém me confia um retrato
nem a produção da moldura que consomem.

Fiz no ambiente exato a minha ausência.
Seria arquiteto por me tentar desenhar completo como homem.
Mas de líquida a saciedade não tolera a urgência.

quarta-feira, agosto 14, 2013

Plantar na pele uma raíz de força,
algo que no espelho me concentre
e quando velho eu encontre espelhado na pele
a raíz do que sou.

Não sei de ciência o que floresce.
Encontro-me com a cor e isso basta-me
em cada ausência,
em cada enternecimento do belo
a quem nem sempre a imagem no espelho corresponde.
A raíz é a essência da imagem e por isso a perpetuo
mesmo se o espelho inquieto não responde.
Paciente sem paciência. Tudo na raíz pede outro mundo
para o que pode no corpo poder rever-se sem mágoa.
Quero ser e quero ser fora daqui. Sem enxertos
que poupem outra imagem e eu diga que fui a primavera possível.
Quero água
e as estações em contínuo fertilizando a minha natureza.

De frutos não sei. Aos frutos
dou-lhes asas profundas para que povoem o tempo.

sexta-feira, julho 26, 2013

Eu nunca dei flores
não abri a porta
a ninguém
sem elasticidade de girassol.

Procuro a claridade da manhã
à noite
não bebo água
do copo que me engole.

Eu acredito em mim
e não acredito
em mim
A ubiquidade é acordar.

quinta-feira, julho 18, 2013

Vale à pobreza que se fabrique
no corpo mole que tem sede de raíz
e diz que fome é o contrário da forma
do corpo consumido em cada medo.

Não basta a certeza da bondade
nem o segredo da vontade do fogo.
Não basta saber - é preciso provar.
Não basta provar -
é preciso um fogo em novo que cinzele a coragem
é preciso um movimento de vento
uma flutuação de imagem
uma lugubridade de palavra parida sem precisar a comunicação.
É preciso não entrar pelo umbigo
e mergulhar no mar sem olhar a temperatura.

Eu aqui não consigo.
Se não beber a lágrima que sou
vou chorar até ser espelho.

terça-feira, junho 25, 2013

Medro no calor
suo o futuro
vou em voo duro
tendo sotaque a medo
e hilariando o baque do temor
não sei quando parto
se por um parto de amor
invado o quarto
invado o sopro
assomo ao segredo
assumo o decifrado
pela margem da porta
abro a imagem do mar
e vou errar
e talvez sofra
mas no mergulho que olho
acredito no que adivinho -
posso até quebrar sozinho
mas sei que não falho.

sexta-feira, junho 14, 2013

Eu salto
se oiço chamar a ternura
do alto da estrutura do tempo
Eu salto
se a boca premente treme
um sobressalto que geme um beijo
Eu salto
se o corpo me redime
ao assalto que exprime o desejo
Eu salto
se o espaço me expande
ao dar o salto para a grande alegria

Eu salto
num crescer por dia.

segunda-feira, maio 27, 2013

Não valorizo o efémero
nem sinto falta das coisas simples
nem vivo dos pormenores do que espero
nem me sacio com as minuências que recheiam o tempo.

Trago as dúvidas de memória
mas da mão subtil que acaricia o peito
e do beijo cruzado na fome da espera
e de cada sorriso que adormece apaziguado
e do sussurro gemido ao âmago do desejo
e do amigo que te empurra para fora do desespero
e de cada palavra abandonada à solta num caderno
eu assomo ao futuro com o tamanho dos Homens
porque o justo é que o breve seja eterno
e que até um olhar seja elevado a património.


segunda-feira, maio 13, 2013

Eu faço esse caminho com a calma que posso
eu faço a cama e desfaço o dia a cada passo
eu faço a espera do que a noite traz
e traz sempre
o sorriso que pensa o que faço
o desejo que é meu e por mim
o meteoro do beijo que promete beijos sempre
eu prometo que faço se prometi
ela promete que faz o que promete
eu não posso ter calma na espera
eu que nem posso prometer nem passo
eu faço este caminho que o tempo faz
eu desfaço a cama para ela chegar.

Soneto

De músculo e amor despe-se o muro
que traz à pele a palavra.
Dê-se sossego e paz à terra onde se lavra
o que antes era amputado ao futuro.

De músculo e amor renasce maduro
o caminho que na língua encrava.
Sair não é fugir se a dinâmica desbrava
o que faz um poeta brilhar no escuro.

Não percam nunca o momento
em que a saudade reflete outra imagem -
querer de músculo e amor quer o vento.

Querer sair é o músculo da viagem
em que o amor supera um oceano de lamento -
e o amor é o oceano da minha outra margem.

terça-feira, maio 07, 2013

Diálogos Meridianos

A nossa sede nas cordas do silêncio -
música de nós partilhada entre ausências -
fixa uma rotação verde que prendo na ponta dos dedos.

- Não acelero massa noite dentro para ficar aqui.

Acaricio esperanças na rede que nos transporta -
emaranhado de viagens sem bolso -
e toco um mesmo ar sob um mesmo lençol de espera.

- Não escrevo para manter a fome à distância.

A nossa sede rouca é adiada -
um beijo zunido no oceano -
para apurar a voz num palco erguido contra o segredo.

- Não canto para ver passar o vento.

Amo a noite em que te encontro -
sonolento elmo contra o quotidiano -
nua de tempo na imagem que tento escutar.

- Não existo para ser escravo de meridianos.
Há-de haver um lograr
onde jogre
uma ausência
que presume
o que parece
no que de fato
pode padecer.

19-4

sexta-feira, abril 26, 2013

Certamente há algo de liberdade ao sol numa praia
ou no percorrer as compras que penso que me apetece
(e é nessa liturgia de liberdade que nos confundem as estações)
mas na primavara que perece
acontece
afirmar-se a primavera até ao sal -
o sal da rua e o sal do grito
o sal do rito em que se tempera a certeza
do mar dos dias que caminhamos e gritamos.
Porque herdámos dos pais esta tristeza
e a noite presa
mas também a pressa dessa madrugada feita para trocar
flores de novo
(e é nessa esperança sem cordões que mergulhamos na liberdade
de fazermos acontecer a madrugada).

terça-feira, abril 09, 2013

Há-de haver um deus qualquer para o silêncio
uma oração que congele o tempo
alguma coisa a que rezar
por ser homem
e fraco na sua ausência.

Um deus assim será um esteta de edifícios de vapor
e terá que construir com a sua própria distância
os templos onde os desejos se expressam
templos onde sejam proibidas palavras que não unam
templos onde não se glorifique nada além do olhar.

Um deus assim pedirá perdão por ter errado
mas cairá no mesmo erro de amor de cada vez
que pouse os olhos calados e curiosos
nuns olhos curiosos e tímidos que lhe calem o poder.

E há-de haver um silêncio para o homem.
Uma fé de dar sem ter e de receber sem pedir
de esperar
esperar sem espaço
que os olhos que se aproximam
olhem para lá do silêncio sem o conter.

quinta-feira, março 28, 2013

Ode num triângulo de Malevich

Nem tão branco e negro
nem tão quadrado
porque a geometria não sabe a palavras
(o poema nem de métrica perece)
e a tinta dos poetas
é apenas o fogo das inquietações.
O corolário das revoluções
é isósceles
em triangular meneio -
e quando se move
(porque sempre se move)
desenha o cilindro
que tem dentro o sonho a andar.


domingo, março 17, 2013

Hesito
incólume e nu
entre o no no que foi
e o no que será.

Repito
um vem
e jamais repito
nem hesito
se no pano que está
insone e cru
não responder
a um até já.

quarta-feira, março 13, 2013

Digo para mim que sim
contra o contra que me insónia
e da mão estendida não
tiro força que me faça
nem confiança que me torça
nem anéis na minha história.

Menos coroa que corei
Menos sono que sonhei
Menos chuva que queimei
Menos tempo a cada dia que passa.

Digo para mim que nada
tudo é tudo tutoria
e pelo pelo que me escava
nem o sono sonoriza
nem em concreto se concretiza
o papel que me ardia.
Gosto de castelos de areia
e de beijar o vento que beija
moinhos de vento
e de ser fugaz
partir sem foz
voltar sem tempo
e saber que ninguém me espera
antes do toque que já noto
subtilezas de copo
o cheiro que me queiram
gosto que me levem ao silêncio
e que brinquem comigo ao ócio
para depois ondular em magmas
e gosto que omitam o meu nome
e de ser segredo
tecer cedendo
o sono de sair
gosto de me lembrar
gosto de me lembrar
preciso
prossigo
persigo
gosto de gostar
e de passar o nó das ruas
como fumo
na tatuagem disinibida
suada
que o desenho de sair
exala.

quarta-feira, março 06, 2013

Talvez um dia eu te procure.
Virás sozinha de culpa num corpo tão magoado
e sob o trajecto da mutilação do tempo que demora a noite a fazer efeito
Talvez entre nós o silêncio nos resuma.

Eu sigo.
Já segui a matemática das palavras e a noite para acordar.
Canto a desordem e já assumi que sigo de cada vez que caio.

Talvez um dia oiças falar de mim.
Seria um bom sinal
ainda que correspondesse à manutenção do péssimo hábito que as pessoas têm de falar do que não sabem.
Nem podem saber porque elas não nos viram quando nos beijámos e dissemos adeus.

Talvez faça sentido eu te encontrar agora virada ao sol.
Foste três em cada palavra e por isso eu nem te procure.

Não me encontres também.
Despedaça-me num uso de memória e volta só quando for tarde.
Até lá a noite consente que finja sentir saudades da música que cantámos.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Felina na vaporização do ensaio
fogo no cabelo
abstrata no roço
lânguida no olhar
dá-me a mão gelada de medo
dá-me a tua mão gelada
e água
e uma casa de vinte e três segundos
dá-me a palma da tua mão
dá-me a tua mão suada
um sonho de encontro
hipótese de voz a exigir a minha voz
eu de nuca
quando olho és cheiro
nunca
sempre fogo
dá-me a tua mão
dá-me o desenho da tua mão
e uma cidade no meio
glúteo e omoplata do mundo
planalto musical
dá-me a tua mão pintada
dá-me o fogo na tua mão ao natural.

terça-feira, fevereiro 05, 2013

Não me aguento
custa-me o pó
não aguento
sair nem estar
o sinal menos
fazer o que houver
perder
estar tão só
com as infiltrações
do passado
não aguento
ouve!
no que houve
não aguento
parar
para não fazer
calar
calcar a vontade
de mais
de somar
de não esquecer
não aguento
suar para ti
comer avulso
pagar a prazo
não aguento
morar a meias
amar no sangue
as veias
não aguento
escrever a medo
medrar o tempo
a sombra
olhar para baixo
não aguento
as caixas
as grades
o hoje
o não-amanhã
não aguento
o silêncio
o mercado
a praça vazia
a tua cabeça no lugar
não aguento
e não quero aguentar
que digas
que eu aguento.