terça-feira, dezembro 18, 2012

Ao teu sorriso
amêndoa
sorri
quando me sorria.

Quanto tempo me dás
para descascar a tua semente?

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Houve beijos a derrubar estantes
amigos cúmplices na casa ao lado
uma noite e outra sem sobriedade
e o medo a derrotar o desejo
e o desejo
entre o último beijo que é despedida
e outro último beijo que é despedida
e o tocar-te pela última vez
e tocar-te novamente pela última vez
e outro último beijo
e o desespero de ser
o último
beijar-te e tocar-te
por ser
o último
e por nunca mais acabar o desespero de ser
o último.

Foste.
Pintura cinzenta na madrugada
à procura de dia e de cor.

Moravas em frente ao café de tal.
Passo lá todos os dias
para recuperar o tempo da ternura
a ressaborear o amor
dentro do tempo.

segunda-feira, novembro 19, 2012

Ode a um jardim de varanda

Da janela por onde olho
um jardim agoniza a ausência.

Nasceu com a casa
verdesceu e floriu
fotografia dos frutos esperados.
Foi regado
podado
semeado no tempo de si
e ainda que pouco
fez a graça do alimento nas bocas que o cuidavam.

Depois veio a fuga
todo ele caroteno fora de época
todo ele o acumular da desilusão do fogo e da chuva.

O que é ornamental suspira.
O jasmim secou de espera.
As rosas
quando não morrem
não enganam ninguém.
Os cactos
sedentos
aguentam-se camaleónicos sem personalidade.
A hera cai.
E aquela planta de frutos amarelos que nunca tivemos coragem de comer
vai sugando sozinha o perfume das hortênsias
que surgem na timidez.

Um abacateiro com a forma do amor
num vaso grande.
Este viu tudo acontecer -
era imberbe e trouxe as mudanças na sua ânsia
e cresceu de mais
como nós
desordenado
ramagens feias e espaçadas
no excesso de sol
querendo expandir-se
espalhar raízes numa terra mais funda.
Cresce ainda
mas sem beleza nem frutos.

Uma frágil anoneira
não se dá por crescer.
Existe e é o que basta para que a sombra não se esqueça.

Aquela oliveira anã está deformada.
Os braços crescem-lhe mais que o corpo
como se se esticasse para alcançar o longe
e no momento de saltar a vedação
lhe amputassem a esperança.

Na parede
o sonho da verticalidade
acordou no vazio.
Tudo morto.

E nos outros vasos
quero que saibas amor
que há um mato de espargos e alho-francês
que vão ser adubo de algo antes de aroma.
Dois pimenteiros
de frutos raquíticos
que não apicantam.

As folhas secas estão lá desde o verão.

E o que dá alguma cor ao jardim
é o tomilho, a hortelã, o poejo e o alecrim
que são selvagens
como são as noites de tesão indiscreto
em que saio para me vingar do tempo.

Despontou outro abacateiro que não se sabe o que é.
E as sementes de jaca de são tomé
aguardam secas na janela um clima mais equatorial.

Aquele physalis
tem uma pequenas flores bonitas
que nunca resistem à chuva.
As asas dos frutos raramente amadurecem
e nunca mais encontraram
abertos
uma boca em forma de cereja que os sorva.

O poema
é daninho.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Da carta de longe
tão longe
escreveu-se a casa
morou-se
entrelaçou-se a roupa
nasceram hipóteses de memórias
nasceram palavras.

Saio de não gostar.
Para longe
tão longe
que a casa abandonada
calada
se esquece de mim.

segunda-feira, outubro 15, 2012

Eu gostei tanto
sob a luz da manhã
de parar o pranto
e ter-te no afã
dos tempos em que não tive nada.

Foste uma boa fada!

8-2012
Como que superando ondas
ergo-te em sabores
sal
o reflexo
lateralizando as ancas
uso andas de satisfação
eu espreito
prescuto
espero
as mãos fixam-se numa aproximação
quase penetração
um arrepio
a respiração é incontrolável
o coração já não é meu
e sou quase triste
estou quase fora
sou não sei quem
e as mãos trazem-me de volta
e vinco os polegares
nas tuas costas
e tu gostas
tu gostas
e vens estreita à fome
e vens e vais e vês
onda
rebentação
grito
as mãos nas ancas sabem
mas o ritmo é teu
o canto é teu
eu sou só coração a bater
e polegares a guardar
para sempre
para sempre
as minhas mãos na tua ânsia
aquele mergulho de acordar.

8-2012

O desenho frutado
do teu seio
promete sucos de âmbar
que beber se intenta
o desenho
e de o olhar só o quero
olhar
e tocar e beber e
olhar
e pedir-te sempre
sempre
o teu seio como o mundo
o teu seio
na palma da minha mão.

8-2012
A humanidade é nua.
Agasalhada não se exprime.
Se tenho que pedir
por favor
deixa lá vir
meu amor
a esperança
que vai ser possível.

Se tenho de te ouvir
por favor
não tens que repetir
meu amor
que a lembrança
é indivisível.

Se depois de ter tido
a possibilidade
magnífica
dos impossíveis
eu não posso ficar.
Meu amor
o sentido da cidade
não me fita
e não me faz ser mais visível
depois de ter tido uma cama onde estar.
A minha vizinha
quando está sozinha
vem vestir-se à janela -

A rua o espelho!

Eu espero por ela
sozinho à janela
um centelho um distante
um instante imberbe à janela -

A casa o refúgio!

A minha vizinha olha-me.
Quando acompanhada a minha vizinha
não a sinto minha.
Geme alto
para o sangue do bairro -

A rua o desejo!
Hoje não saio
Sou invisível
Sou descartável
Sou o limite da espera
Sou o encontro da negação
Sou o que é derrotado
Hoje
Antes mesmo de chegar.

Sopa

Semi denso contra a fome
recebe nacos de pão que trouxeram fiado.

Quando há aromáticas sabe a aguçar-se o engenho.

No fundo o meio recorda-se
que nunca queria o prato cheio.

30-6
Na mudez do mundo
mudei
pulei as cercas do sonho
risonho
segui porque sabia o mar
e amei -
cerquei os poemas caçados
rebuçados de mel no canto
que a garganta traz ao canto
de trás.

29-6
Há mais de ti nestes passos
que os cansaços
da mochila em dor maior
que carrego
com alegria.

9-10

sexta-feira, setembro 28, 2012


Venho por denso ausentar-me à porta -
Presença destacada na penumbra do medo,
- Ai mãe que me roubam o tempo!
- Ai tempo que me roubas os demais!

Chego portento no silêncio que encontro –
Espera portanto feita do que há a calar
- Ai mãe que me roubam o sono!
- Ai sono que me roubas o tempo!

E o tempo da espera rouba-me tudo –
Tudo o que eu queria era ver-te passar
- Ai mãe magoam-me as sílabas!
- Ai mãe as palavras demoram a me encontrar!


12 de Maio

quarta-feira, setembro 26, 2012


Não quero ser original -
quero a repetição das coisas boas
das palavras que precisam ser ouvidas
as palavras doridas
de perfurar o tempo
a harmonia das vozes em lamento
o tom da fúria
o som do bom
repetir a vida mais uma vez.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Não adies a palavra nem a viagem
nem amplies a margem
que forço a nado.

Que o nosso fado
não seja a lavra da tua solidão
assim
nem o silêncio do não
que escrevo só para mim.

terça-feira, agosto 21, 2012


Dói-me a voz de andar em saltos
Salto a dor nos cumes mais altos

Não dormi se dormir não faço
Fiquei sozinho onde por ti passo

Dóis-me a só como nos meus retratos
Ficamos sós a olhar os sapatos

Não fico aqui a olhar o espaço
Fico longe do embaraço

Não me dói pisar uns calos...

quarta-feira, julho 11, 2012

Um momento.
Soem as pancadas.
Venho do silêncio ao eco.
Uma imagem duas imagens três imagens.
Olhas-te ao espelho e tu
não vales nada.

Olhei-te.
Imaginei outro som.

sexta-feira, junho 01, 2012

Pássaro fui e agora sou pranto.
Prantei-me da árvore onde amanheci suspenso.
Em quarenta migrações perdi sentido.
Sem espanto.
Sem senso.
Doído.

terça-feira, maio 22, 2012

Os pássaros arvoram não ter
passos nos espaços entre folhas
filhos que sustentem a quebra das asas
casas que protejam os ninhos.

Seguem em caminhos longe.
Não voltam para hoje.

18-5
Sair.
Entrar.
Sair escorraçado.
A circunstância a que me obrigam.
Porque eu chego para ficar,
eu bato à porta,
limpo os pés,
cumprimento os donos da casa,
mas não sei porquê incomodo,
não sei porquê olham-me de lado,
não sei porquê não sabem o meu nome
e sou aquele
um outro chama-me o outro
e aquele que ali está,
não sei se o dono da casa
se o dono da tarde,
aquele não me olha,
aquele não me chama.

Por isso,
educadamente,
mato-o hoje.
Não vais,
eu sei,
sair à noite para parar a cidade.

Longe
eu ao frio do calor da greve
e tu na solidão da casa que abandonas,
longe,
nós não assim tão longe,
mudamos cadeias distantes,
usamos fórmulas apartadas.

Energia é massa na distância
e o tempo seca-nos a história.
A noite é o que a luta me pede
e, amor,
a noite é lutar sem ti.

22-3

terça-feira, abril 03, 2012

Bate como habitualmente
Numa nuvem que passa
O momento em que o sorriso tropeça
Numa piada sem graça.
E depois dói como sempre.

domingo, março 25, 2012

Caí caí caí
E na vertigem da queda
Escurecia até à cegueira.

Olhei olhei olhei.
Ainda hoje o faria.

O mais
Escorregou com a água do banho.

sexta-feira, março 09, 2012

Eu perco a limpidez
da voz
eu perco a vez
nós
eu perco o mar.

Não o posso sem cantar
eu passo do não ao talvez
os dedos sós
a mão dada a porquês
tantos sins enlaçam os nós.

Eu perco só.

3-3

sábado, fevereiro 25, 2012

Que amor calo quando falo de amor?
Não amo nem calo -
falo.
Só no que calo eu falo o que é de amor.

18-1-2012
Se eu puder estar aqui mais uma meia-hora por ti
e que os dias passem sem eu sair
e que não me beijes nem alimentes
e que gota-a-gota me vás cortando o vinho
acredita
que no pouco tempo que me deixas
que no pouco amor que me devotas
que na ausência de sorriso que provocas
eu vou-te fazer desaparecer.

17-1-2012
Há uma urgência fotográfica
em te virar a mão,
a esquerda,
a que insistes em manter de palma virada para baixo.
A outra,
a direita,
é mais tua,
com ela escreves e comes,
apalpas e roubas,
com ela mandas seguir
ou parar
e por isso,
porque é mais tua,
manténs também a palma virada para baixo,
porque é de cima que encara a outra,
a esquerda,
que a empurra para baixo,
lhe pressiona as costas
sem a deixar subir.
Por isso o congelamento pede cinética,
dinâmica,
e a palma esquerda virada para cima
altera mais que objectivamente a imagem -
há-que conhecer do magnetismo
a subjectividade dos pólos,
discernir o positivo do negativo
e do gesto simples de virar a palma para cima,
a esquerda,
acontece cinematicamente aproximação,
urgente como o pede o tempo,
até que duas mãos ficam ao mesmo nível
e já a esquerda pode escrever e comer,
já toca,
já impede o roubo,
já manda parar onde a outra apressa,
já manda avançar onde a outra estanca.
É pictórica a urgência ali posta
e é preciso que se saiba que basta um pequeno movimento para que a imagem mude,
mas é preciso que sejamos rápidos,
é preciso não darmos tempo a que se pense que se a outra,
a direita,
mudar,
que a aproximação se dá
porque não dá -
é que à mão direita interessa continuar sozinha a escrever e a comer,
a apalpar e a roubar sem constrangimentos,
a dizer pára ou segue sem que nada a atrase.
E tem que ser a mão esquerda que,
na aproximação,
se vire rapidamente -
segue a direita para baixo -
e se vire rapidamente -
segue tudo o mais para cima.

E é assim que do teu retrato,
se explica como tudo se transforma.

9-1-2012